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Qual deve ser a postura da esquerda diante do governo Lula?



Everton Barboza, PCPB

Não é a primeira vez que um debate desse tipo surge no seio dos movimentos sociais brasileiros. Um governo de identificação com o campo popular assume. Mediante as contradições, limites e fragilidades apresentadas por ele, emergem dúvidas, como: devemos criticar? Podemos criticar? Criticá-lo não fortalecerá a direita? Como a esquerda combativa e verdadeiramente comprometida com a pauta proletária deve agir?

O que diferencia este momento de outros muito similares aqui no Brasil, é o fato de a extrema direita, claramente fascista, ter recém saído do governo. Mesmo derrotada no pleito presidencial, essa direita fascista ainda mostra força de momentos em momentos, fato que também ocorreu durante o processo eleitoral. Promovendo inúmeras fraudes, estes grupos políticos influenciaram o contexto de uma vitória apertada e verdadeiramente ameaçada de Lula e também conseguiram eleger um Congresso majoritariamente alinhado com a ideologia fascista. Sem falar no grande número de governadores de mesmo alinhamento. Também podemos citar os movimentos de rua orquestrado pelos fascistas, como é o caso dos atos do dia 08/01, pouco mais de quatro meses da escrita deste texto.

Ao mesmo tempo, vemos certa movimentação de setores da direita não alinhada diretamente à extrema direita (chamada de maneira mentirosa de terceira via) que, em conjunto com a própria esquerda no governo, buscam uma espécie de pacificação no país. Seu ímpeto é a concretização de uma certa tranquilidade na luta de classes no Brasil, ao contrário da realidade conflituosa até então existente, provocada pela ofensiva fascista. Enganam-se aqueles que imaginam que a extrema direita fascista está fora de combate e que não apresenta mais riscos ao país.

Esta aparente tranquilidade surge, mas não passa disso, de aparência. Mesmo que se escamoteie a verdadeira situação de ebulição, setores organizados tanto da esquerda quanto da “terceira via” apresentam esta ameaça como argumentos para justificar as ineficiências do governo Lula. O fato é que em nome desta tranquilidade, pautas indispensáveis para minimizar a carestia enfrentada pelo povo são relegadas e tratadas como tarefas de impossível resolução pelo governo, mesmo que tenha sido para levá-las a prática que Lula tenha sido eleito pelo povo.

Dessa forma, o governo Lula tem se caracterizado por ser premido pelos interesses do capital financeiro internacional. Esbraveja contra o juros altos, mas não consegue baixá-los. Faz um esforço descomunal para apresentar aumento digno do salário-mínimo, não conseguindo oferecer mais do que um pífio aumento de 18 reais. O atual governo que durante a campanha eleitoral afirmava que iria anular as contrarreformas previdenciárias e trabalhistas, as quais serviram para retirar direitos em nome do golpe dado em 2016 e hoje nada faz no sentido de revogá-las. Da mesma forma que se referia a reestatização de setores importantes da economia que foram entregues no pós golpe e não menciona mais nada a respeito e tantas outras pautas que não estão mais na agenda do governo. Isso, obviamente, em nome da governabilidade e da pacificação da luta de classes. É claro que não poderia ser diferente: a social-democracia serve aos interesses burgueses e à pacificação buscada por ela sempre será em cima de sacrifícios proletários.

Diante deste quadro, todos os setores da esquerda que se dispõem a denunciar a atual postura antiprogressista do governo são tratados como voluntaristas, esquerdistas e pautados como se estivessem fortalecendo o fascismo e fragilizando o governo, expondo-o. Nós do PCPB não temos dúvida de que o que realmente significa fortalecer o fascismo é calar-se diante da postura do governo e deixar de encampar as lutas necessárias para fazer avançarem as pautas proletárias.

Essa postura política e econômica do governo Lula, que busca agradar o mercado, sem romper com o diálogo com o Congresso reacionário de extrema direita que temos hoje, terá como resultado a manutenção e até, em muitos pontos, o agravamento da difícil situação enfrentada pelo povo pobre. Ou seja, o anseio por superar a carestia popular que garantiu a eleição de Lula, não será correspondido, deixando assim um terreno fértil para que a extrema direita ou a própria “terceira via” voltem a se apresentar como a solução dos problemas populares, fortalecendo com a mobilização popular as trincheiras mais declaradamente burguesas.

Certamente o fascismo está atento e disposto a capitalizar todo e qualquer sinal de descontentamento do povo mediante a ineficiência do governo Lula em superar a situação de dificuldade enfrentada pelo proletariado brasileiro. Se não houver melhoras na vida do povo, o descontentamento popular surgirá. A ameaça desse descontentamento ser insuflado pelos fascistas contra a esquerda, retomando movimentos de rua em prol do fascismo é um risco real e não pode ser desconsiderado. Calar diante da falta de combatividade do governo para fazer avançar as pautas proletárias tão urgentes é “chocar o ovo da serpente” semeando o fascismo, e não o contrário.

Mas podemos nos questionar: como conseguiremos fazer avançar as pautas proletárias diante de um Congresso identificado diretamente com a extrema direita e com a direita? Isso só é possível mudando radicalmente a postura atual do governo: de diálogo com o Congresso acima de tudo e conciliação acima de todos. Tornando o risco de ser repetitivo, mais uma vez afirmamos que não é possível que consigamos com a anuência deste Congresso, de forma espontânea e natural, avanços proletários significativos. Não é nem uma questão de não querer ou não gostar de dialogar, é uma questão de consciência da impossibilidade de, por meio do diálogo com os setores mais atrasados, mais reacionários, mais à direita da sociedade brasileira, conseguirmos algo minimamente contundente e positivo para o proletariado do nosso país.

Portanto, para conseguirmos avançar nesta conjuntura de crise do capital e com o quadro em que o governo brasileiro tem a sua frente (e não ao seu lado) um Congresso extremamente reacionário, será preciso que os movimentos sociais, a esquerda como um todo e o próprio presidente Lula, apontem para a politização do povo brasileiro, para a elevação da consciência desse povo, fazendo-o perceber a necessidade de tomar as ruas na luta. Lutas urgentes pela anulação das contrarreformas trabalhista, previdenciária e do “Novo” Ensino Médio, por reforma urbana e agrária, por aumentos reais e significativos do salário-mínimo, por investimentos na saúde, no combate a fome e a miséria, pela regulamentação da mídia, pelo fim da tutela das forças armadas sobre o Estado brasileiro, pela diminuição significativa dos juros do BC… Enfim, uma pauta que realmente vá interferir na realidade do povo pobre do país. Precisamos conscientizar o povo de que para termos medidas neste sentido é necessário enfrentar o Congresso, enfrentar o capital financeiro internacional e os seus representantes.

É neste sentido que a esquerda de luta do país precisa apontar. Mais do que isso, na verdade, precisa agir, fazendo pressão para que isso aconteça. Nossa tarefa é colocar o povo na rua em luta contra o Congresso reacionário, contra o fascismo e contra o imperialismo e construir um movimento de luta, com o povo como protagonista direcionado para uma pauta verdadeiramente progressista. Não existe espaço vazio na luta de classes. Ou a esquerda e aqueles que se dizem seus representantes dirigem o povo para as ruas em luta, ou a direita e a extrema direita o farão. É evidente que os últimos, o farão com uma pauta antipopular.

Calar diante dos vacilos do governo sem cobrá-lo ou sem exigir dele uma postura combativa e verdadeiramente progressista, só fortalecerá o golpismo e o fascismo. A história recente de nosso país comprova isso. Quando a então presidenta Dilma, diante da ameaça golpista preferiu encaminhar medidas antipopulares, no intuito de acalmar os intentos de golpe, ao invés de chamar o povo às ruas, politizando-o na defesa de seus interesses, o resultado foi a consolidação deste golpe sem uma verdadeira resistência de caráter popular. Marighella dizia que era preciso se preparar para os dias difíceis, pois, eles sempre vêm. A atitude do governo hoje e de setores da esquerda brasileira em trabalhar pela governabilidade e botar em prática um programa econômico antiprogressista, que agrada o capital financeiro internacional, é a mesma tática utilizada pelo governo Dilma e por setores da esquerda no período do golpe de 2016. Assim, abrem mão de se preparar para os dias difíceis, como se fosse possível evitá-los. Pior que isso, desarmam o povo, lhe tiram a possibilidade de elevação da consciência, ficando a mercê de uma esperançosa impotência da extrema direita e de uma cumplicidade da direita, do capital financeiro internacional e do imperialismo.

Os golpes podem ser dados de várias maneiras e uma delas, certamente, poderá ser deixar Lula no governo sem conseguir corresponder a necessidade do povo, para que, nas próximas eleições o campo popular esteja distante da chance de vitória. Mas não a única possibilidade de golpe, sabemos. Temos que estar preparados para os dias difíceis, armar o povo de consciência política e dar tudo que é preciso para que ele esteja nas ruas, em luta na defesa de seus verdadeiros interesses.



Pela anulação das contrarreformas que retiraram direitos do povo!

Pela mobilização popular na pressão para encaminhamentos de pautas verdadeiramente progressistas!

Denunciar o caráter reacionário do Congresso e todos aqueles que calam diante disso!

Só a luta do povo na rua é capaz de trazer melhoras reais e concretas!

Temos que nos preparar para os dias difíceis!

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