Como nos velhos tempos do século XIX, um negro está sendo cassado pelo regime dos brancos escravistas.
"A câmara de vereadores de Curitiba não é o seu lugar, Renato. Volta para a senzala. E depois de você vamos dar um jeito de cassar a Carol Dartora e o Herivelto. Vamos branquear Curitiba e a região Sul queira você ou não. Seu negrinho", diz trecho do e-mail que pela captura de tela do comunicado recebido por Freitas, é possível ver que o envio foi atribuído ao também vereador Sidnei Toaldo (Patriota). (O Globo)
Hoje tudo é moderninho, dentro de mais um parlamento que se apresenta como a "Casa do Povo", mas o sentido é o mesmo da época do escravismo colonial. Os escravos modernos não pode ter os mesmos direitos políticos que os brancos ricos que seguem governando.
Renato, eleito pelo proletariado está sendo cassado por meio dúzia de representantes da burguesia. Se a cassação se consumar, é uma derrota, porque também nem a esquerda nem o proletariado estão organizados a altura de defender seu mandato.
Essa luta vale como ensaio para a própria eleição de Lula, diariamente ameaçada pelo golpe miliciano-militar-bolsonarista com apoio de amplas alas do capital. Todos acreditam que as pesquisas de intenção de voto já asseguraram o futuro, mas sem uma poderosa mobilização popular, é bem provável que se realize um outro golpe eleitoral, a exemplo do que já ocorreu em 2018, na sequencia do golpe parlamentar de 2016, tudo "pacificamente", quando cassaram o mandato de Dilma e depois prenderam Lula para que ele não pudesse concorrer. Mas, a maioria da esquerda, a partir da própria direção petista, ainda se encontram muito despreparada para enfrentar o inimigo golpista, armado e perigoso. Acredita que alojando um dos principais golpistas de 2016 na chapa, Alckmin, ele funcionará como uma espécie de amuleto contra novos golpes. Assim, como não conseguem ter a dimensão da gravidade do problema para defenderem a si mesmos, os dirigentes petistas que já governaram o país por uma década e meia e conseguiram perder tudo por confiar na democracia dos ricos, até a liberdade e os direitos políticos, não dão a devida atenção a luta em defesa do camarada Renato Freitas.
Mas, nessa correlação de forças, Renato ser cassado por perseguição política daquele antro escroto que é a política paranaense de criminosos como os Richas, Álvaro Dias e Ratinhos é um grande mérito dele, é um teste de que ele representa um parlamentar de novo tipo, como dizia Lenin, incompatível com esses canalhas. Ao ser cassado por eles, ele prova que não é um deles, nem poderia ser, para ser um dos nossos.
A Folha do Trabalhador oferece sua total e incondicional solidariedade à Renato Freitas, contra a cassação capitalista-racista do mandato mais legitimamente conquistado do que de qualquer outro membro do parlamento curitibano.
Abaixo, reproduzimos artigo de Rogerio Galino sobre o tema, publicado no jornal Plural.
Por Rogerio Galindo
Por que a Câmara de Curitiba vai cassar Renato Freitas? Punir um colega vai contra tudo que os vereadores da cidade acreditam – e no entanto, ficou claro que dessa vez não há escapatória. Derrotado no Conselho de Ética, Renato provavelmente sofrerá um resultado ainda mais humilhante em plenário. Perderá não só o mandato como os direitos políticos. Não exercerá mais o cargo para o qual foi eleito, nem poderá disputar as eleições de outubro.
... Dez crimes que levaram à cassação de Renato Freitas
Mas por quê? A Câmara de Curitiba é conhecida por seu corporativismo: teve todas as oportunidades para cassar mandatos, e sempre recuou. Um presidente que mandou por 15 anos a Câmara com mão de ferro foi pego em um escândalo milionário – não foi cassado. Vereadoras foram pegas fazendo rachadinha em seus gabinetes – não foram cassadas. Um vereador cometeu assédio sexual – não foi cassado. Outro cometeu racismo explícito – e escapou.
Por que Renato Freitas não escapará? Por que pela primeira vez a Câmara decide que é preciso punir como máximo rigor um de seus pares. Uma vereadora que roubou o erário perdeu apenas o direito de falar ao microfone por uns dias. Renato Freitas será cassado, expulso da Câmara, expelido da vida política de Curitiba – será enxotado como um cão indesejado que entrasse pela porta da Câmara. Por quê?
Há motivos para isso, e não são difíceis de se perceber. Renato Freitas é vereador, e aí acaba toda a semelhança entre ele e seus pares julgados anteriormente. Em todo o resto ele é uma exceção. E ser fora do padrão é seu crime.
O primeiro erro de Renato Freitas foi nascer preto. O segundo foi nascer pobre. O terceiro foi nascer na periferia.
Claro, há outros vereadores negros (poucos). Há quem tenha nascido pobre, e sempre há os representantes da periferia. Mas Renato Freitas é diferente dele também. Porque há outros crimes que o levam a ser alvo dessa cassação.
Ao contrário de outros vereadores negros, ele é um dos dois únicos que fez da raça a causa de seu mandato – a outra é Carol Dartora, e não seria de se espantar se ela for a próxima.
Ao contrário de outros vereadores pobres, Renato Freitas fez da defesa dos pobres um motivo de seu mandato. Não usou seus eleitores para trocá-los por emendas, por cargos e privilégios, e sim realmente tentou mudar suas vidas.
Ao contrário de outros vereadores periféricos, Renato Freitas continuou estando à margem: fez questão de manter seu cabelo afro, para horror da Câmara; e para horror da Câmara, veste camiseta, anda de skate, fala como quem é.
Esse é o quarto crime de Renato – não ter mudado depois da eleição, nem ter decidido que a política era algo que deveria mudar sua vida. Muito pelo contrário, ter tomado a decisão de ser quem é e de usar a política para mudar a vida de seus eleitores.
O quinto crime de Renato Freitas foi achar que não era preciso baixar a cabeça. Que chegando à Câmara seria possível ser encarado como um igual. Isso jamais acontecerá. No mandato, foi chamado de moleque, destratado, detido, preso, arrastado, levado à força pela Guarda Municipal, que subiu em seu corpo negro e algemado, como numa pintura do século 18.
O sexto crime de Renato foi acreditar que a Câmara era um lugar para se fazer política, para lutar por causas, e não para se dobrar ao prefeito, aos empresários, aos donos da cidade.
O sétimo foi sua convicção de que uma cidade pode mudar rapidamente, que é possível convencer as pessoas de que é possível viver sem se sujeitar a regras econômicas injustas, que é dever de um político se rebelar contra o que vê de errado.
O crime de número oito foi ter orgulho. O de número nove foi não ter medo.
Mas o décimo crime, o realmente imperdoável, foi o de revelar com sua coragem o quanto são pusilânimes os vereadores em sua maioria. Aqueles que se elegem em nome da ambição pessoal; que se realizam ao ganhar loas e cargos; que vivem para si e para navegar em privilégios; e que jamais pensaram em mudar nada com seus mandatos. Pelo contrário: pois na maioria os vereadores de Curitiba, como a maior parte dos políticos, existe para garantir que tudo permaneça exatamente como está.
Existem para garantir que os pobres continuem pobres.
Que o prefeito possa governar para os privilegiados sem que haja uma revolta.
Existem para garantir que a educação seja frágil e “sem partido”.
Para ter certeza de que a ganância dos empresários do lixo, do transporte, da saúde seja saciada e passe impune.
Ocupam seus mandatos para ser parte de uma máquina que garante a divisão da cidade em mandantes e mandados. Nos que podem tudo e nos que nada podem.
Revelar essa monstruosidade, revelar a cumplicidade da Câmara com tudo isso, é imperdoável. Lutar contra o racismo quando a maioria dos vereadores é racista; cobrar justiça quando a maior parte da Câmara é injusta; exigir que as coisas mudem quando tudo o que os vereadores querem é que tudo permaneça no seu lugar, principalmente o que está errado; eis o crime imperdoável.
Renato Freitas será expulso da vida pública. Mas surgirão outros Renatos. Porque não é possível que isso permaneça para sempre. É preciso acreditar que as injustiças não perduram indefinidamente, ou perderemos a vontade de ser cidadãos.
A Câmara de Curitiba nos ensinou mais uma vez a eterna lição: não existe mudança que venha fácil. Mas os eleitores jovens, negros, pobres, periféricos de Curitiba ainda vão prevalecer. E nesse momento, os atuais vereadores vão ser vistos pelo que são – artífices voluntários de uma cidade sempre mais injusta e excludente.
Dez crimes que levaram à cassação de Renato Freitas
Negro, pobre, periférico, Renato Freitas acreditou que era possível lutar contra o racismo e a exclusão e sair impune. Mas a Câmara nos mostra mais uma vez que isso é impossível
Por Rogerio Galindo
Por que a Câmara de Curitiba vai cassar Renato Freitas? Punir um colega vai contra tudo que os vereadores da cidade acreditam – e no entanto, ficou claro que dessa vez não há escapatória. Derrotado no Conselho de Ética, Renato provavelmente sofrerá um resultado ainda mais humilhante em plenário. Perderá não só o mandato como os direitos políticos. Não exercerá mais o cargo para o qual foi eleito, nem poderá disputar as eleições de outubro.
(o artigo continua depois do SAIBA MAIS)...
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... Dez crimes que levaram à cassação de Renato Freitas
Mas por quê? A Câmara de Curitiba é conhecida por seu corporativismo: teve todas as oportunidades para cassar mandatos, e sempre recuou. Um presidente que mandou por 15 anos a Câmara com mão de ferro foi pego em um escândalo milionário – não foi cassado. Vereadoras foram pegas fazendo rachadinha em seus gabinetes – não foram cassadas. Um vereador cometeu assédio sexual – não foi cassado. Outro cometeu racismo explícito – e escapou.
Por que Renato Freitas não escapará? Por que pela primeira vez a Câmara decide que é preciso punir como máximo rigor um de seus pares. Uma vereadora que roubou o erário perdeu apenas o direito de falar ao microfone por uns dias. Renato Freitas será cassado, expulso da Câmara, expelido da vida política de Curitiba – será enxotado como um cão indesejado que entrasse pela porta da Câmara. Por quê?
Há motivos para isso, e não são difíceis de se perceber. Renato Freitas é vereador, e aí acaba toda a semelhança entre ele e seus pares julgados anteriormente. Em todo o resto ele é uma exceção. E ser fora do padrão é seu crime.
O primeiro erro de Renato Freitas foi nascer preto. O segundo foi nascer pobre. O terceiro foi nascer na periferia.
Claro, há outros vereadores negros (poucos). Há quem tenha nascido pobre, e sempre há os representantes da periferia. Mas Renato Freitas é diferente dele também. Porque há outros crimes que o levam a ser alvo dessa cassação.
Ao contrário de outros vereadores negros, ele é um dos dois únicos que fez da raça a causa de seu mandato – a outra é Carol Dartora, e não seria de se espantar se ela for a próxima.
Ao contrário de outros vereadores pobres, Renato Freitas fez da defesa dos pobres um motivo de seu mandato. Não usou seus eleitores para trocá-los por emendas, por cargos e privilégios, e sim realmente tentou mudar suas vidas.
Ao contrário de outros vereadores periféricos, Renato Freitas continuou estando à margem: fez questão de manter seu cabelo afro, para horror da Câmara; e para horror da Câmara, veste camiseta, anda de skate, fala como quem é.
Esse é o quarto crime de Renato – não ter mudado depois da eleição, nem ter decidido que a política era algo que deveria mudar sua vida. Muito pelo contrário, ter tomado a decisão de ser quem é e de usar a política para mudar a vida de seus eleitores.
O quinto crime de Renato Freitas foi achar que não era preciso baixar a cabeça. Que chegando à Câmara seria possível ser encarado como um igual. Isso jamais acontecerá. No mandato, foi chamado de moleque, destratado, detido, preso, arrastado, levado à força pela Guarda Municipal, que subiu em seu corpo negro e algemado, como numa pintura do século 18.
O sexto crime de Renato foi acreditar que a Câmara era um lugar para se fazer política, para lutar por causas, e não para se dobrar ao prefeito, aos empresários, aos donos da cidade.
O sétimo foi sua convicção de que uma cidade pode mudar rapidamente, que é possível convencer as pessoas de que é possível viver sem se sujeitar a regras econômicas injustas, que é dever de um político se rebelar contra o que vê de errado.
O crime de número oito foi ter orgulho. O de número nove foi não ter medo.
Mas o décimo crime, o realmente imperdoável, foi o de revelar com sua coragem o quanto são pusilânimes os vereadores em sua maioria. Aqueles que se elegem em nome da ambição pessoal; que se realizam ao ganhar loas e cargos; que vivem para si e para navegar em privilégios; e que jamais pensaram em mudar nada com seus mandatos. Pelo contrário: pois na maioria os vereadores de Curitiba, como a maior parte dos políticos, existe para garantir que tudo permaneça exatamente como está.
Existem para garantir que os pobres continuem pobres.
Que o prefeito possa governar para os privilegiados sem que haja uma revolta.
Existem para garantir que a educação seja frágil e “sem partido”.
Para ter certeza de que a ganância dos empresários do lixo, do transporte, da saúde seja saciada e passe impune.
Ocupam seus mandatos para ser parte de uma máquina que garante a divisão da cidade em mandantes e mandados. Nos que podem tudo e nos que nada podem.
Revelar essa monstruosidade, revelar a cumplicidade da Câmara com tudo isso, é imperdoável. Lutar contra o racismo quando a maioria dos vereadores é racista; cobrar justiça quando a maior parte da Câmara é injusta; exigir que as coisas mudem quando tudo o que os vereadores querem é que tudo permaneça no seu lugar, principalmente o que está errado; eis o crime imperdoável.
Renato Freitas será expulso da vida pública. Mas surgirão outros Renatos. Porque não é possível que isso permaneça para sempre. É preciso acreditar que as injustiças não perduram indefinidamente, ou perderemos a vontade de ser cidadãos.
A Câmara de Curitiba nos ensinou mais uma vez a eterna lição: não existe mudança que venha fácil. Mas os eleitores jovens, negros, pobres, periféricos de Curitiba ainda vão prevalecer. E nesse momento, os atuais vereadores vão ser vistos pelo que são – artífices voluntários de uma cidade sempre mais injusta e excludente.
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