Imagem: Ben Shahn (1931-32) / MoMA
por Chico Bernardino*
Não existem fórmulas mágicas, o que existe é tentar entender
como no passado a luta contra a perseguição política ocorreu. O Método
Científico preconiza a observação disciplinada da natureza e a revisão das
notas das gerações anteriores acerca dos problemas estudados. A atividade
militante pautada pelo materialismo dialético e histórico tenta justamente
construir um método científico para a atividade política da classe
trabalhadora, que luta de forma encarniçada para escapar da crescente
exploração, que coloca em risco até mesmo a continuidade da vida do trabalhador
e de seus entes queridos.
O Modo de Produção Capitalista, em sua fase de decomposição,
eleva os níveis de exploração do trabalhador a patamares nunca vistos, a ponto
de colocar as condições ambientais de existência da humanidade, como espécie
animal na superfície da Terra, em risco.
A maioria dos militantes operários honestos, confrontados
com essa tragédia, se pergunta: como chegamos a este ponto? Outros militantes,
quando confrontados com os dados econômicos, que atestam que hoje vivemos a
maior e mais longa depressão econômica da história do modo de produção
capitalista (Ver o Livro Long Depression, de Michael Roberts, HaymarketBook,
2016) preferem entrar em um tipo de negação da realidade. O fato é que chegamos
a um ponto de degeneração socioeconômica gigantesco, do qual a pandemia é fruto
e não a causa. Neste sentido, voltamos à pergunta: como chegamos a este ponto,
dado que a classe operária conta com uma vasta rede de organizações para a sua
defesa?
A resposta Simplória
A doutrina social, política, econômica e filosófica conhecida
como trotskismo tem uma resposta na ponta da língua para essa questão: “A crise
da humanidade é a crise da direção do proletariado”. Uma frase do velho
revolucionário soviético Leon Trotsky, que diante da incapacidade das
organizações operárias de impedirem a Segunda Guerra Mundial, que se
aproximava, só poderia constatar que as condições econômicas para a Revolução
estavam dadas, a prova disso, era a própria guerra, contudo as condições
subjetivas não estavam, pois as direções das organizações operárias haviam
capitulado diante da força constrangedora do Estado burguês. O que é
verdadeiro! Trotsky, diante desta constatação, chama a construção de uma nova
internacional operária, a IV Internacional. Porém as organizações que
reivindicam o trotskismo, após a morte de Trotsky, passaram a interpretar essa
frase como um julgamento moral. Assim, a fraqueza moral dos dirigentes era o
motivo destes abaixarem a cabeça para o semi-cadáver da burguesia.
Trotsky tinha uma
perspectiva diferente
Trotsky escreveu uma série de textos acerca da Alemanha na década de 30. Em um destes textos podemos ler:
“No decurso de várias dezenas de anos os operários construíram no interior da democracia burguesa, utilizando-a e ao mesmo tempo lutando contra ela, seus bastiões, suas bases, seus focos de democracia proletária: os sindicatos, os partidos, os clubes de formação, as organizações desportiva, as cooperativas, etc. O proletariado pode chegar ao poder não num quadro formal da democracia burguesa mas pela via revolucionária: isto está demonstrado tanto pela teoria como pela experiência. Mas é precisamente por esta via revolucionária que o proletariado necessita de bases de apoio da democracia proletária no interior do Estado burguês. Foi na criação de tais bases que se reduziu o trabalho da II Internacional na época em que ela preenchia ainda um papel histórico progressista.”
Esse trecho não é uma citação conveniente e
descontextualizada, como muitos obscurantistas de esquerda poderiam argumentar,
pois Trotsky aprofundou seu ponto de vista no livro Classe – Partido – Direção,
quanto aos limites da ação da organização operária dentro do Estado burguês:
“Imitando os liberais, nossos sábios aceitam tacitamente o axioma de que cada classe tem a direção que merece. Na realidade, a direção, de nenhum modo, é um simples “reflexo” de uma classe ou o produto de sua própria criação livre. Forja-se a direção no processo dos choques entre diferentes classes e das fricções entre as diferentes camadas dentro de determinada classe. Uma vez assumido seu papel, a direção invariavelmente se eleva acima de sua classe, com o que fica predisposta a sofrer pressões e influências de outras classes.”
Sublinhamos aqui as “pressões e influências de outra
classe“. Como essas pressões e influências ocorrem?
A perseguição
política
Qualquer operário organizado já passou pela ameaça de
demissão, ou coisa pior. No Brasil, há alguns anos atrás, foi editado o livro
Plantados no Chão, que fazia um mapa dos assassinatos políticos no Brasil. As
vítimas de assassinato político tinham um perfil de militantes que ocupavam
cargos dirigentes regionais ou locais em determinados sindicatos, eram os anos
dos governos do PT, o imperialismo ainda não tinha enfrentado o crash de 2008 e
a perseguição aberta ao PT ainda estava na fase inicial daquilo que ficou
conhecido como processo do “mensalão”. Fora do Brasil, a perseguição também era
bastante camuflada, embora, aqui e ali, aparecessem exemplos como
Mumia-Abu-Jamal e mesmo processos massivos como a questão Palestina e o aumento
da população carcerária pareciam ainda casos isolados. As organizações
operárias estavam envoltas na aura da democracia participativa, assim a tática
dominante do capitalismo era a cooptação e não a perseguição direta e aberta.
Porém as coisas mudam em períodos em que a decomposição do
modo de produção fica mais aguda e os dirigentes operários sabem que sua
atuação política ocorre em campo minado. Portanto, de forma alguma a crise de
direção é uma falha moral, mas uma imposição do modo de produção.
Como resistir?
Não existem fórmulas mágicas, o que existe é tentar entender
como no passado a luta contra a perseguição política ocorreu. A literatura está
cheia de exemplos de que esse problema atormentava os militantes. O poema “Aos
que vierem depois de nós”, de Bertold Brecht, é um testemunho disso, Raul
Seixas e a música “Metrô Linha 743” também. Mas para além dos poemas e das
músicas, para além do desabafo que a cultura permite, quais as experiências
concretas de luta contra a perseguição política que já existiram?
O Socorro Vermelho
O Quarto Congresso Mundial da COMINTERN (Terceira
Internacional Comunista), em 1924, decidiu pela criação da A Sociedade Internacional
de Ajuda aos Trabalhadores, que ficou conhecida como Socorro Vermelho, sua
sigla em russo era MOPR. O quinto congresso da COMINTERN ocorreu em simultâneo
com a primeira conferência do Socorro Vermelho. A organização chegou a ter 62
seções nacionais. A sua missão, nas palavras de Elena Stasova, era “ajudar os
presos políticos e a Ajuda Internacional dos Trabalhadores assiste na altura
das greves econômicas, na altura da luta econômica”. O Socorro Vermelho entrou
em declínio em 1938, os motivos de seu declínio ficarão para outro artigo.
Defesa Internacional
dos Trabalhadores – International Labor Defense – ILD
Foi uma organização de autodefesa dos trabalhadores
estadunidenses, ficou conhecida pela defesa da dupla Saco-Vanzzeti, dois
imigrantes italianos de orientação anarquista acusados de assassinato.
Infelizmente a ILD não foi capaz de defendê-los e ambos acabaram executados na
cadeira elétrica. Apesar deste revés, a ILD está na origem do movimento dos
direitos civis dos EUA, tendo entre os seus fundadores James P. Cannon. Cannon
foi fundador do Partido Comunista dos EUA, que posteriormente se tornou membro
da Oposição de Esquerda Internacional, agrupamento que mais tarde passou a ser
a IV Internacional, tendo o Socialist Workers Party como seção estadunidense,
partido do qual Cannon foi secretário geral até 1974, porém o SWP também foi
vítima da perseguição e obrigado a manifestar uma ruptura pública com a IV
Internacional, devido às leis reacionários do Estado burguês dos EUA.
O ILD defendeu aproximadamente 1100 trabalhadores da justiça
capitalista e ainda assumiu outras campanhas, como a defensa dos trabalhadores
negros.
Acordo Internacional
dos Trabalhadores e Povos
Em 1991 a primeira Conferência Mundial aberta contra a
guerra e a exploração proclamou o Acordo Internacional dos Trabalhadores e
Povos (AcIT). O AcIT não era exatamente uma organização de luta contra a
perseguição política, mas impulsionou diversas campanhas nesse sentido, como a
Campanha pela Libertação de Mumia Abu Jamal. Recentemente o AcIT teve
participação na campanha pela liberdade de Lula e de Louisa Hanoune.
Núcleo do PT “Ninguém
Fica para Trás”
Todas essas iniciativas tiveram amplitude internacional,
porém no Rio de Janeiro um pequeno grupo de petistas fundou um núcleo chamado
“Ninguém fica para Trás“, editando um manifesto com o mesmo nome e publicando a
revista teórica Ciência & Revolução. Com o objetivo declarado de
arrecadação para a defesa de um militante petista expulso do doutorado, o
núcleo contava ainda com a participação dos editores do jornal Voz Operária,
que lançou uma campanha de arrecadação para socorrer militantes atingidos pelo
vírus da Covid-19. Essas organizações ainda estão funcionando (salvo Ciência
& Revolução, que foi extinta por uma divergência em seu interior acerca da
diferença entre a defesa dos militantes de base e dos militantes dirigentes).
A barreira política
dos Direitos Humanos
As iniciativas mais recentes chocam-se com as organizações
de direitos humanos. Organizações que, presas ao marco institucional, são
incapazes, até mesmo, de impedir despejos como os que vêm ocorrendo no Campo. A
última moda para essas organizações é organizar processos judiciais dentro dos
marcos de instituições internacionais como a Organização dos Estados Americanos
(OEA) ou o tribunal de Haia. Esquecendo o papel que essas organizações já
tiveram em golpes e ações militares e na legitimação de ações militares dos
EUA.
Abrindo o diálogo
Este texto visa abrir o diálogo com a militância de base do PT, que, cada dia mais atacada pelo aparato repressivo, vê as organizações que deveriam defendê-la cada dia mais engessadas dentro dos marcos legais vigentes, que, por sua vez, tornam- se cada dia mais reacionários, por força da própria crise de decomposição do capitalismo. Recentemente a perseguição contra lideranças do PT escalou das lideranças nacionais para vereadores em diversos municípios. Longe de pretender responder definitivamente às questões, abrimos o debate. O que fazer e como combater essa perseguição?
* Chico Bernardino é editor da Revista Ciência dos Trabalhadores - Em defesa dos Perseguidos Pelo Imperialismo
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