Os trabalhadores devem combater o nazifascismo
Frederico
Costa[1]
É natural para um liberal falar de “democracia” em
geral. Um marxista nunca se esquecerá de colocar a questão: “para que classe”?
(Lênin)
O fascismo tem como função essencial e única a destruição,
até os alicerces, de todas as instituições da democracia proletária [...] O
ponto de partida da luta contra o fascismo não é a abstração do Estado
democrático, mas as organizações vivas do próprio proletariado, nas quais está
concentrada toda a sua experiência e que preparam seu futuro. (Trotsky)
Está ocorrendo um grande debate em torno da liberdade de expressão do
nazismo no Brasil. O fato foi originado pelas afirmações de um bolsonarista,
Monark, num podcast no dia 7 de fevereiro. Monark defendeu a existência de um
Partido Nazista no Brasil e o direito de ser antijudeu. Já o deputado golpista
e liberal Kim Kataguiri (Democratas), presente no debate, afirmou que foi um
erro a Alemanha ter criminalizado o Partido Nazista.
Diante disso, qual deve ser a posição dos trabalhadores? Deve-se partir
de onde para fortalecer a defesa de direitos imediatos e históricos do
proletariado?
O fascismo é
coisa do passado?
O fascismo é bem atual. Na Europa ele vem crescendo como na França (Éric
Zemmour), na Eslovênia (Janez Jansa), Hungria (Viktor Orbán), na Holanda (Fórum
pela Democracia), Inglaterra (UKIP, Partido Nacional
Britânico ou BNP), Áustria (Partido Livre), Polônia (PiS), Espanha (Vox),
Grécia (Aurora Dourada) e Itália (Liga Italiana) de maneira simulada e
renovada. Na recente eleição portuguesa o partido de extrema direita, “Chega”,
tornou-se a terceira força política, apresentando-se como antissistema,
atacando ciganos e defendendo a castração química de pedófilos. Na Ucrânia,
ponta de lança da ofensiva da OTAN contra a Rússia, o governo é sustentado por
forças claramente neonazistas.
Na Ásia, há o governo de extrema direita de Rodrigo Duterte nas
Filipinas. E na América do Sul, temos os governos de Iván Duque Márquez
(Colômbia) e Jair Bolsonaro (Brasil) que integram a ofensiva neofascista.
Aqui não falta fascistas para todo tipo de gosto. Segundo a antropóloga Adriana
Dias, que estuda o neonazismo no Brasil desde 2002, há pelo menos 530 núcleos
de extrema direita no Brasil que pode chegar a dez mil pessoas. De acordo com a
pesquisadora, houve um crescimento de 270,6 % de janeiro de 2019 a maio de 2021[i].
Há neonazistas, integralistas, carecas, White Power, monarquistas, reacionários
católicos (TFP, Instituto Plinio Correia de Oliveira/IPCO, defensores da Missa
Tridentina, sedevacantistas), saudosos da ditadura militar, evangélicos de extrema
direita, milícias urbanas e grupos que defendem o latifúndio, que formam uma
frente única de ataque não só à democracia burguesa, mas principalmente aos
direitos democráticos dos trabalhadores brasileiros. São exemplos da extrema
direita brasileira, com características protofascistas e fascistas.
Mas, o que é
mesmo o fascismo?
O fascismo não é uma saudação ou um uniforme apenas, mas um movimento
político e social que visa atacar e destruir conquistas históricas dos
trabalhadores da cidade e do campo, o que o coloca a serviço do grande capital
contra os direitos das grandes maiorias. Portanto, o fascismo apareceu no século
XX como um recurso da dominação burguesa diante da crise capitalista, do
acirramento da luta de classes e do avanço das lutas/conquistas do movimento
proletário e camponês. De acordo com Leon Trotsky, que com Lênin dirigiu a
Revolução Socialista Russa de 1917:
A hora do regime fascista chega no
momento em que os meios militares-policiais “normais” da ditadura burguesa, com
a sua capa parlamentar, se tornam insuficientes para manter a sociedade em
equilíbrio. Por meio da agência fascista, a burguesia põe em movimento as
massas da pequena burguesia enfurecida, os “desclassados”, os “lupen-proletários”
desmoralizados, todas essas miseráveis existências humanas que o próprio
capital financeiro levou ao desespero e à fúria[ii].
Mas, qual o objetivo da burguesia em utilizar os bandos fascistas? Quais
tarefas o fascismo deve cumprir?
Novamente Trotsky responde, no mesmo texto de 1932, referindo-se à
experiência do fascismo italiano:
A burguesia exige do fascismo um
trabalho “limpo”: desde que admite os métodos de guerra civil, ela quer ter paz
durante uma série de anos. E, os agentes fascistas, servindo-se da pequena
burguesia como de uma arma, e aniquilando tudo à sua passagem, prosseguem no
seu trabalho até o fim. A vitória do fascismo coroa-se quando o capital financeiro
subordina, direta e imediatamente, todos os órgãos e instituições de domínio,
de direção e de educação: o aparelho de Estado e o exército, as prefeituras, as
universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos, as cooperativas. A
fascistização do Estado não significa “mussolinizar” as formas e os processos
de direção – neste domínio as mudanças desempenham, no final das contas, um
papel secundário – mas, antes de tudo e sobretudo, destruir as organizações
operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de
organismos que penetre profundamente nas massas e esteja destinado a impedir a
cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a
essência do regime fascista[iii].
Essa é a característica universal do fascismo em suas diversas formas
históricas, seja no Brasil, nos Estados Unidos, na França ou nas Filipinas:
destruir os direitos dos trabalhadores e suas organizações a serviço do grande
capital.
Um pouco de
história
Daniel Guérin (2021) no clássico Fascismo e grande capital, que
teve sua primeira edição em 1936, indica características gerais do avanço
fascista na Itália e na Alemanha: 1) a crise gerada pela I Guerra Mundial tanto
no imperialismo italiano como alemão; 2) a ação revolucionária do proletariado e
do campesinato que resultou em inúmeras conquistas trabalhistas e sociais; 3) a
utilização e financiamento dos fasci italianos e dos Freikorps
alemães para retomar as concessões feitas aos trabalhadores; 4) as disputas
entre as frações das burguesias italianas e alemã (indústria pesada X indústria
leve); 5) as vacilações e erros das esquerdas, reformistas e comunistas, nos
dois países; 6) diante da crise as burguesias italiana e alemã apostam respectivamente
no fascismo e no nacional-socialismo (nazismo). O resultado desse processo
levou à II Guerra Mundial, uma guerra interimperialista, e à barbárie do
nazifascismo, que foi esmagado, em última instância, pelo Exército Vermelho do
Estado operário da URSS.
Bem, e no Brasil, há um avanço do fascismo, como em outros países?
Vamos analisar, de maneira sintética, o processo de luta de classes no
Brasil: 1) a ditadura militar (1964-1985) foi derrotada no Brasil por uma forte
mobilização de massas que mesmo não evoluindo para a conquista do poder pelos
trabalhadores arrancou várias concessões asseguradas na Constituição de 1988;
2) o grande capital nacional e internacional, por meio dos governos neoliberais
de Collor (1990-1992), Itamar (1992-1995) e FHC (1995-2003)tentaram arrancar
inúmeras concessões arrancadas pelos trabalhadores; 3) os governos do PT, Lula
(2003-2011) e Dilma (2011-2016), da esquerda reformista, diante de uma
conjuntura internacional favorável, dentro das limitações de seu projeto não atacaram
diretamente as massas como os governos neoliberais anteriores; 4) frente aos
efeitos da crise econômica desencadeada em 2008 e dos erros da esquerda
moderada (PT e PC do B), foram se criando condições para um golpe de Estado
impulsionado pela burguesia brasileira e o imperialismo; 5) para o golpe de
Estado foram mobilizados as forças armadas, a grande imprensa, o judiciário, a
pequena burguesia enraivecida e diversos grupos da extrema direita com contornos
fascistas; 6) consumado o golpe de 2016 houve um salto de qualidade na
desconstrução das conquistas dos trabalhadores e ataque às suas organizações (contrarreforma
trabalhista e previdenciária, Novo Ensino Médio, prisão de Lula, perseguição ao
movimentos sociais); 7) a extrema direita levantou a cabeça, o candidato do
PSDB, do grande capital, naufragou e, diante da possibilidade do retorno do PT,
as classes dominantes convergiram para a candidatura do fascista Jair
Bolsonaro; 8) hoje vive-se sob um regime golpista, mas não fascista, pois o
movimento operário-popular não foi esmagado e atomizado pelo governo de extrema
direita de Bolsonaro.
Agora há uma polarização entre a continuidade na destruição das
conquistas dos trabalhadores brasileiros ou de uma retomada das lutas contra o
imperialismo e a burguesia brasileira. Tal contradição de expressa de forma distorcida
entre a candidatura da esquerda reformista de Lula, o continuísmo do projeto
fascista de Bolsonaro e outras candidaturas golpistas (Moro, Ciro, Dória). É
nesse contexto que se coloca o debate sobre a liberdade de expressão para o
nazismo no Brasil.
Deve-se garantir
a liberdade de expressão aos nazistas no Brasil? Uma questão mal colocada
A liberdade de expressão e de organização do nazismo no Brasil é uma
discussão abstrata em torno da natureza democrática do Estado burguês se não
parte do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores.
De fato, ideias e práticas nazistas já têm liberdade de expressão e ação
no Brasil: na internet, no governo Bolsonaro e no cotidiano da vida de milhões
de brasileiros. O racismo está presente nas políticas de governo (Fundação
Palmares, retirada de conteúdo sobre a cultura afro-brasileira dos currículos
escolares), nos ataques às religiões de matriz africana por parte de igrejas
evangélicas extremistas, no extermínio da juventude negra nas periferias e no
etnocídio de populações indígenas. As tendências de aniquilação das
organizações dos trabalhadores estão em constante avanço na criminalização dos
movimentos sociais, no assassinato seletivo de lideranças no campo e no poder de
milícias nas periferias. Grupos paramilitares, setores da polícia e das forças armadas
são abertamente fascistas. Liberalismo e extrema direita estruturam-se em
várias formas de organização e propaganda. Há parlamentares, prefeitos e até
governadores que arrancariam aplausos de Mussolini, Hitler, Franco, Salazar ou
Plínio Salgado.
Diante disso, a esquerda não pode reivindicar o direito de liberdade de
expressão e ação do nazismo. Isso significa fortalecer a extrema direita e o grande
capital na tarefa de destruir as conquistas e as organizações dos
trabalhadores. O fascismo, e sua forma mais grotesca, o nazismo não precisam de
defensores de sua liberdade. Aliás, sua liberdade de expressão e ação é a
aniquilação não só da democracia burguesa-parlamentar, mas principalmente da
democracia proletária, isto é, dos sindicatos, da CUT, do MST, do MTST, das
associações de bairro, das Comunidades Eclesiais de Base, do movimento negro,
dos grupos feministas, das organizações estudantis, do movimento LGBT e dos partidos
de esquerda.
Também é um erro a seguinte tese: devemos defender a liberdade de
expressão do nazismo para, também, garantir a liberdade de expressão do
comunismo/socialismo. Por dois motivos básicos. Primeiro, não é o Estado
democrático burguês que garante a liberdade para comunistas, socialistas e
democratas, mas a correlação de forças favorável aos trabalhadores por sua
capacidade de organização e mobilização. Segundo, porque, historicamente, as
frações burguesas tratam diferentemente os militantes do movimento operário-popular
dos agentes fascistas. Fascistas italianos foram integrados no aparelho burguês
reconstruído despois da II Guerra Mundial, o mesmo ocorrendo na Alemanha
pós-guerra. Também, no Brasil, integralistas que participaram do levante de
1938 foram anistiados, membros do semifascista Estado Novo (1937-1945) não
foram punidos, assim também como torturadores da Ditadura Militar (1964-1985).
De fato, a garantia das liberdades democráticas para as amplas massas é
fruto da luta organizada dos trabalhadores por seus direitos. E para as
diversas formas de fascismo: a denúncia, a resistência, o combate...
Referências
bibliográficas
GUÉRIN, Daniel. Fascismo e grande capital. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2021.
[1] Professor da Universidade Estadual do Ceará-CE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.
[i] www.g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/01/16/grupos-neonazistas-crescem-270percent-no-brasil-em-3-anos-estudiosos-temem-que-presenca-online-transborde-para-ataques-violentos.ghtml
[ii] TROTSKY,
Leon. Revolução e contrarrevolução na Alemanha. São Paulo: Editora Sundermann, 2011,
p. 152.
[iii] Idem,
p. 152.
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