A contrarrevolução do bloco soviético ainda traumatiza a humanidade
O presente documento faz parte da coletânea de textos que integrarão o livro A Contrarrevolução na URSS que se encontra no prelo. Abaixo, publicamos uma das três partes que compõe a declaração do Comitê de Ligação pela IV Internacional acerca da Contrarrevolução na URSS, da Guerra no Afeganistão e uma polêmica sobre o caráter do Estado Chinês. Uma versão em inglês se encontra no site de nossos camaradas britânicos do Consistent Democrats: LCFI Statement: Soviet-bloc Counterrevolution Still Traumatises Humanity
A Revolução Russa de Outubro foi o maior evento até agora na história da humanidade. Foi a primeira oportunidade para a humanidade começar a abolir o sistema capitalista cuja busca pelo lucro já havia levado ao pesadelo de milhões de trabalhadores sendo arrastados para massacrar uns aos outros em toda a Europa como as várias potências imperialistas lutaram entre si para dividir e redividir o mundo.
Para nós, a URSS era um Estado diferente de todos os demais. O proletariado construiu organismos próprios de poder, os conselhos populares, construiu seu próprio partido revolucionário, o bolchevique, e tomou o poder da burguesia, estabelecendo sua própria ditadura de classe. O caráter de classe do Estado nascido da revolução bolchevique e soviética é determinado pela expropriação da burguesia, pela nacionalização dos meios de produção, pela planificação econômica. Enquanto esse estado manteve e defendeu as relações de propriedade nascidas dessa revolução, para nós a URSS foi um Estado operário. Mas, em menos de uma década, a URSS sofreu um processo degenerativo, uma contrarrevolução política. Uma casta burocrática surgiu das condições materiais impostas pela luta de classes, pela herança do atraso agrário da sociedade russa, pelas sequelas da primeira guerra mundial, pela guerra civil e invasão do país por uma coalizão militar burguesa internacional e posteriormente pelo cerco, sansões e bloqueios estabelecidos pelo capital mundial imperialista. Por isso, tratava-se de um estado operário degenerado ou burocratizado. Era necessária uma revolução política para reestabelecer o poder político dos trabalhadores e, rechaçar todas as tentativas de restauração da burguesia, por agentes internos ou externos, realizando, se necessário uma frente única com a burocracia diante da contrarrevolução capitalista.
E no segundo pós-guerra, como parte das brechas que deixou a derrota do fascismo surgiu toda uma série de Estados operários desde a Alemanha Oriental até a Coréia do Norte, passando pela Albânia, China, Iugoslávia e Cuba. Foram resultantes de diferentes processos revolucionários sob direções nacionalistas, stalinistas ou simplesmente por anexação burocrática a URSS. De todos os modos, foram processos que já nasceram sob deformações burocráticas, sem democracia operária. A burguesia foi expropriada, mas os trabalhadores não se organizaram em partidos marxistas revolucionários nem criaram organismos de duplo poder como nos primeiros anos da URSS, por isso, são chamados de Estados operários deformados.
Então, se a revolução russa foi uma das maiores conquistas do proletariado na história da luta de classes, inversamente, a derrota da degenerada União Soviética (URSS) em 1991 foi, ao contrário, uma grande derrota para a classe trabalhadora mundial, que exige análise e compreensão adequadas.
A degeneração da Revolução Russa, a análise das razões dessa degeneração e da série de traições auto-reforçadoras que cimentaram o stalinismo no poder por meio da sabotagem repetida de oportunidades para estender a revolução mundial, todas essas são questões que devem ser esclarecidas por todo aspirante a revolucionário de hoje disposto a entender nossas tarefas daqui para frente. Assim como os processos pelos quais a contrarrevolução foi capaz de ter sucesso, os pontos de continuidade e descontinuidade na situação hoje, os pontos de apoio que persistem dos quais os marxistas precisam fazer uso para fazer avançar a luta de classes hoje. Este documento tenta responder a algumas dessas questões.
Quase 30 anos depois, a bancarrota do stalinismo provocou o colapso da URSS. A tentativa de golpe no final de agosto de 1991 por um grupo de burocratas, militares e dignitários (incluindo o vice-presidente Gennadi Yanayev) no aparato do desintegrado Partido Comunista da União Soviética (PCUS) derrubou brevemente o governo do último presidente soviético, Mikhail Gorbachev, prendendo o líder soviético e seu círculo imediato por três dias, antes do próprio golpe colapsar.
Uma das razões do colapso do golpe é que não conseguiu obter o apoio nem mesmo da maior parte do aparelho militar e repressivo da URSS. Também falhou em obter qualquer apoio de massa significativo. Os próprios golpistas estavam completamente desmoralizados e, de acordo com alguns relatos, passaram grande parte dos três dias do golpe bebendo muito, sem dúvida suspeitando que perderiam. O programa de liberalização política (glasnost) e 'socialismo de mercado' (perestroika) de Gorbachev não conseguiu superar a estagnação da economia soviética como o regime esperava e levou a uma crescente turbulência econômica e declínios nos padrões de vida durante o período de sua presidência de 1985- 1990.
Perto do final de 1990, juntamente com Boris Yelstin, Gorbachev elaborou um plano de 500 dias para a rápida transformação da URSS em uma economia capitalista e de mercado, por meio de privatizações em grande escala e ataques aos direitos sociais, embora às vezes ainda falava de 'socialismo de mercado'. Este foi o ponto em que o próprio Gorbachev cruzou o Rubicão e se tornou um defensor da restauração capitalista. Mas conseguir as condições para implementá-lo arrastou-se ao longo de 1991. Yelstin foi o ex-chefe do Partido Comunista de Moscou e, a partir de 1990, um político abertamente burguês fora do PCUS. Yelstin ganhou a Presidência da República Socialista Federal Soviética da Rússia, que, como Federação Russa, se tornou o estado sucessor central da URSS após a contra-revolução.
O colapso do golpe, em parte em face da resistência civil - 'democratas', corsários e fascistas organizados publicamente atrás de Yelstin fora do parlamento russo ou 'Casa Branca' - foi seguido pela humilhação pública de Gorbachev por sua evidente fraqueza frente ao golpe e, no final do ano, a dissolução formal da URSS e a renúncia / destituição de Gorbachev como seu último presidente. Isso apenas formalizou o que aconteceu imediatamente após o golpe fracassado em qualquer caso, já que o poder do Estado de fato tornou-se a Federação Russa de Yelstin, com muitas das repúblicas não russas, notadamente as do Báltico, declarando sua secessão da URSS durante o golpe em si, desintegrando de facto a URSS e nem mesmo esperando pelo novo tratado sindical proposto por Gorbachev (parar que era um dos principais motivos dos golpistas) para ver a luz do dia.
A bancarrota do Comitê de Emergência de Yanaiev está associada a bancarrota do stalinismo (e do kruchovismo). Todavia, retrospectivamente, se pudéssemos estabelecer uma posição política em agosto de 1991, deveria ser a de um alinhamento crítico em uma política de frente única anti-restauração capitalista com o torpe Comitê de Emergência contra Yeltsin.
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